PRISCILLAPESSOA
artista visual
Priscilla Pessoa atua no diálogo entre o melhor da tradição pictórica e os conceitos contemporâneos. Instala uma exposição onde o ponto forte é, de fato, a pintura. Transita por aquarelas e óleos com a habilidade que herda das poéticas pictóricas, sem deixar de refletir sobre o que faz da arte atual um ambiente de reflexões, releituras e proposições. Mostra o domínio do gesto, do gráfico, do pictórico em um conjunto eficiente de imagens que lida com o contexto técnico em favor de valores que, vez ou outra, ampararam e desfiaram várias gerações de artistas: o pragmático e o conceitual.
Obras de pequeno formato em diálogo com grandes telas, especialmente a Betsabá instalada nas escadarias dos Baís, nos remetem ao diálogo entre o antes e o depois do tempo e também da arte no diálogo das obras da atualidade com o espaço expositivo ao lançar suas tiras azuis como a água que a banha, sendo elas também as linhas que nos envolvem fazendo com que a contemporaneidade abraçe e engendre a tradição.
O título da exposição “Todo Santo Dia” une duas circunstâncias que, ao primeiro olhar, pareceriam opostas: O sacro e o profano. O conjunto da obra opera temáticas que revêem passagens e personalidades bíblicas re-humanizando-as por meio de estratégias discursivas onde os temas tomados das escrituras são contextualizados no dia-a-dia, no cotidiano das pessoas comuns sem o aparato da religiosidade explícita que, normalmente, se dá ao trato com as coisas bíblicas.
A sacralização que atribuímos ao texto bíblico, independente de todas as tragédias, os pecados e glórias das quais fala, normalmente é tomada como algo que paira acima do humano e das coisas terrenas. Mas, se observarmos com cuidado tais narrativas, em especial as do antigo testamento, vamos perceber que se fala da saga humana, da mesma humanidade na qual convivemos, onde as virtudes e os defeitos estão em contínuo confronto.
Priscilla, ao colocar pessoas e circunstâncias comuns em diálogo com os temas bíblicos simplesmente reflete sobre o percurso que a humanidade desenvolveu ao tomar por referência a vida, as condutas e o comportamento cotidiano daqueles reputados como grandes líderes como o rei David ou Salomão, seu filho bastardo com Betsabá; vamos perceber que ungir do caráter sagrado algo que é apenas humano é esquecer que tais personagens, à despeito de seus deslizes, imoralidade e pecados, sobreviveram aos erros em função das virtudes que passaram a ser valorizadas em detrimento dos defeitos: o bem obliterando o mal.
E Betsabá flutua no topo das escadarias dos Baís...
Isaac A. Camargo
Professor Doutor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul