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Arte e vida sempre foram imbricadas; a arte como parte, expressão, representação da vida, de aspectos dela, dos seus ideais; a arte ultrapassando os limites da vida, explorando suas fendas; a vida seguindo, imitando, sendo arte. Apesar disso, não podemos evitar a impressão de que tal vínculo parece estar sendo enfatizado hoje. Colabora para isso o sentimento de que relações de representação mais arbitrárias e convencionais entre arte e vida são deixadas de lado, em nome de uma arte que propõe ser vivida... mais do que contemplada, compreendida. Priscilla Pessoa adota esse caminho e explora seus limites com uma arte que solicita interação comportamental profunda e verdadeira. Não a dedicação de um momento da vida no qual se vive – age sobre - uma obra de arte ludicamente, inocentemente, muitas vezes sem perceber as ações dela sobre si mesmo; mas uma experiência que esgarça os limites da representação desde a tomada de decisão sobre participar ou não.

 

Tal conflito tem algo a ver com a idéia de sagrado. A arte está hoje longe do sentido de sagrado que a definia em tempos primordiais; todavia, tanto o conceito de arte quanto o de sagrado não ficaram limitados ao que os definia naqueles tempos. E, de algum modo, parece justo pensar que, ainda hoje, as instâncias da arte e do sagrado mantém certos vínculos. Se esta linha de pensamento procede, então talvez se possa pensar que Nus se encarrega de manter essa conexão. Afinal, de que outra instância, que não a do sagrado, se poderia extrair, como propõe Priscilla Pessoa, os “segredos anônimos, pequenas e grandes intimidades que não ousamos a ninguém revelar”? A artista aqui se traduz em delicadeza e sutileza para expor e, ao mesmo tempo, reverenciar nossa relação com coisas que só fazem sentido estarem na sua obra se nos são sagradas.

 

Os dispositivos de interação e valorização do comportamental na arte hoje são muitos e, em grande parte, tanto são mediados por tecnologias diversas quanto são focados nessa mediação. Nus propõe uma experiência que não foca unilateralmente o meio, o artista, o contexto, o objeto artístico, o espectador ou a arte. Nus se apropria de um nível de interação entre artista, arte, meio, contexto e público extraordinário. Baseado em confiança no artista como gerenciador do processo artístico proposto, o participante é convidado a tornar-se obra de arte por meio de um fragmento íntimo do seu Eu exteriorizado na escritura que deposita na “caixa lacrada”. Tal ação o torna Outro para si mesmo, desde que fora de si, falando para si e para outrem no “grande painel”. Nessa mediação o Eu alcança uma condição de exteriorização privilegiada; travestido de objeto artístico aparece liberto das formas de controle do que é certo, errado, verdadeiro, falso, bom, mau, belo, feio... pode ficar nu. Ele só não está liberto das conseqüências dessa arte sobre ele mesmo.

 

Eluiza Bortolotto Ghizzi

Outubro de 2010

 

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